domingo, 14 de outubro de 2012

Uma saga no rio de janeiro


            Na volta pra casa, ele tem que tomar duas conduções, já bem complicado o destino do moço. Daí, com pouco dinheiro, doido por um cigarro, suprime uma das duas e compra uns quatro cigarros a varejo. Precisa botar algumas ideias em ordem, pensar em alguns enquadres, coisas que quer escrever, contar aos outros, coisas que quer imaginar só por fazê-lo. Uma caminhada de meia hora jamais lhe faria mal. Coitado de pensar assim. 
            Daí, segue, fumando seu passo rápido de cabeça na lua e num outro rapaz. Cruza umas gentes e segue contente até que:
            “Aí, playboy.” Pronto! E nem terminei de pagar o celular ainda. “Com todo respeito, me arruma um cigarro seu aí.” Ufa, não é um assalto, é só mais um descamisado querendo tragar.
            “Po, cara. Só tenho esse, comprei a varejo ali em baixo.” E se eu te der um cigarro meu, ele deixa de ser meu, compreende?
            “Aí, deixa eu dar a vinte, aí.” Puxa vida! Que inconveniência. Que vida mais dura, que ser mais pidão.
            O moço deixa a vinte, não antes de uma boa traga, e segue seu rumo se pondo a pensar até que:
            “Oi, você sabe onde fica o Hospital de Olhos.” Tudo bem, tudo bem. Só uma tonta perdida que nem sabe onde ta.
            “Olha, segue reto até um supermercado verde e lá você torna a pedir informação.” Se quiser, dobra a esquina, isso. Logo ali, na puta que te pariu.
            “Ta.” A desgraçada nem agradece e ele segue andando, pensando no sonho, no que tenta ser, criando, criando e tentando esquecer até que:
            “Mininu.” Mas que cacete! Todas as pessoas do mundo vão falar comigo hoje?! “Que horas tem?” Essa gente não tem noção de polidez? E onde fica a história de minimizar o sofrimento do outro. Não, porque ser interpelado na rua por um desconhecido é um sofrimento, ser tirado de si mesmo com tamanha brutalidade é um peso que precisa ser minimizado, tipo, com licença, pode – “poderia” seria pedir demais – me dizer as horas? Pelo menos, ora!
            “To sem relógio.” E se a tal vovó fosse uma isca pra assalto, tipo sondando qual era o seu aparelho celular.
            Ela nem responde. Ele continua, tenta voltar a pensar nas coisas. Acende o segundo cigarro e vai andando, seu passo fumante, soltando fumaça, gozando uma paz, até que:
            “Ai, acende aqui um cigarro.” Bem pelo menos essa queria só o isqueiro. Não fazia tanto mal, mas que inferno de fumante que não anda nem com um caixinha de fósforos?
            Ele vasculha o isqueiro no bolso, finge olhar pro lado e o entrega à mulher.
            “Brigada.” Hum, ela sabe agradecer. Vai arranjar um bom marido!
            Lá vai ele, tentando lembrar exatamente em que estava pensando antes da última interrupção e, sem sucesso, desiste pois não devia ser nada importante mesmo. Segue com novo pensamento, muito rápido se entretém sozinho, num instante recria novelas próprias de si mesmo e lá vai de novo, no rapaz, o pensamento até que:
            “Meu amigo, tem como você me ajuda?” Mais o quê agora?
            Ele para fingindo-se atencioso.
            “Poxa, eu fui assaltado, levaram meu celular, deram uma coronhada na minha cabeça...” Ai pede logo pra eu dizer que não tenho e seguir meu caminho. “... e eu vim aqui visitar minha tia no hospital e agora nem tenho dinheiro pra ir pra casa, eu to tentando juntar o dinheiro da passagem pra mim ir pra Magé. Tem como você me ajudar.” Ai, meu Deus, coitado, todo mundo pode ser assaltado e ficar a pé. Assaltante filho da puta, assaltar pobre é sacanagem, mas:
            “Po, cara, nem posso te ajudar. Também to andando porque to sem dinheiro...”
            “Po, valeu aí.” E se vira com cara de choro pra abordar o próximo passante.
            Volta ao seu caminho tentando mais uma vez organizar suas ideias, já esquecendo do último encontro e vai começando a respirar aliviado e pensa e conjetura, tenta brincar de flâneur até que:
            “Oh, jovem.” Ai, caralho, mais essa. “Você conhece a palavra de Deus?”
            Putz! Que tem Deus a ver com isso. Só queria chegar a casa, conseguir passar daquela feira, que antes parecia só uma avenida.
            “Você sabe que Jesus morreu pra salvar a sua vida?”
            “Sei, irmão. Já entreguei minha vida a Ele. To fumando ainda porque, sabe como é, né? É todo um processo. Mas Deus ta trabalhando nessa causa e, sem demora, eu vou contar essa vitória.”
            “Glória a deus! Isso mesmo, jovem. Você vai contar essa vitória.” E pra não perder o costume o homem lhe entrega um panfletinho dando glórias e glórias agradecendo mais esta mentira.
            Ele vai andando, fumando o pouco que resta do cigarro, amassando o panfletinho e seguindo sua viagem. Chega ao ponto de ônibus e se põe a esperar que ele venha, volta a pensar nas coisas, tenta sorrir de tudo, até que:
            “Ai, parceiro, ta no dinheiro ou no riocard?” O cara surge como que do nada, assim brotando de algum portal de dentro do poste. “Saqual é, to com um riocard aqui e queria ver se dava pra tu me dá o dinheiro e deixar que eu passo o cartão no ônibus pra tu.”
            “Po, cara. To com bilhete único também. Nem dá.” E segura o bolso para que as moedas não tilintem enquanto abre caminho para o tal cara passar e ir importunar outro.
            Vem o ônibus, ele faz sinal entra, fica em pé e começa a pensar, aliviado, descansado, só ele mesmo e suas divagações quanto a isto e aquilo, da ordem da vida, do rumo das coisas, das contas e tudo o mais até que:
            “Primeiramente uma boa noite a todos. Sem querer interromper o silencio da sua viagem e nem mesmo o descanso do seu sono, né? É que eu podia ta matano, eu podia ta robano, mas vim aqui, né, apresentar pra vocês essas deliciosas gomas de hortelã, né? O passatempo da sua viagem, hein, alivia a tosse e melhora o hálito. Uma é cinquenta centavos, três é um real.”
          

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