quinta-feira, 5 de março de 2009

Dúvidas



Dentre os divinos prazeres que nossa mãe Eva conquistou para nós, infelizmente não se encontrou nenhum pouco de oniscência; e mesmo a nossa tia grega Pandora, com toda a sua curiosidade, não encontrou esta dádiva na caixa que abriu. Por esta falha das nossas sábias ancestrais, nós ainda caímos com frequência naquela que muito nos assola.
Quando ainda estamos na manhã de nossas vidas nossas dúvidas são como aquelas citadas por Cecília Meireles: “Não sei se brinco ou se estudo/ Se saio correndo ou fico tranqüilo...”. Felizes os tempos em que podiamos perguntar aos pais como resolver nossos tórridos dilemas. Não que chegue enfim a idade em que os conselhos dos progenitores se tornem obsoletos. Nunca. Mas algumas vezes podemos descobrir, amargamente, que nossos maiores heróis, em todo o mundo, podem se enganar e sangrar como nós.
Do mesmo jeito que acontece conosco, nossas dúvidas acabam por amadurecer e vão deixando o cerne da de “Tamarindo” ou da de “Maçã Verde”, para questões mais ardidas de se decidir. E sempre o que mais incomoda é a idéia de que uma decisão tenha de ser tomada, e mais preturbador ainda é quando reconhecemos que nós é que devemos assumir a posição de sujeito na tal ação que não queremos tomar, pois temos em mente a lei da física que garante que uma ação gera uma reação. E o que nos apavora é o medo do que fará João Bobo no seu certeiro regresso. Vezes, nossas dúvidas são tão dramáticas que poderiam até mesmo se igualar a do jovem príncipe Hamlet, entre ser e não ser. Viver ou fugir para um além desconhecido. Outras vezes, a grande dúvida é no tangente a qual cor de camiseta usar naquele dia específico.
Porém todas as dúvidas, mesmo a do Hamlet, se tornam menores; pequenas questões infantis quando estão em jogo aqueles olhares. De repente, todas as grandes questões do mundo, as grandes indagações dos filósofos, dos religiosos, da existência humana e mesmo a guerra entre os Deuses e Darwin, entre os deuses e outros deuses caem aos pés da dúvida que envolve aqueles olhares. O que eles queriam dizer naquele instante. E aqueles toques. Será? Seria um equívoco meu? E se ir fosse decisão tomada e ir? E ao mesmo tempo um ir sozinho? Seria exatamente como se perder na rua de casa, dentro do próprio quarto, se perder nas listras do lençol que cobre a própria cama. Duvidar não é um crime, pudera! já é castigo. É mais que castigo: revirar-se numa cama com lençóis desarrumados numa noite de insistente Março, quando alguém esqueceu de pagar a conta da luz. E os abraços. E as palavras. E os inocentes toques de pele. Nunca saber, se um dia talvez, se aqueles olhares foram então do que seria bom que fossem.