sábado, 17 de abril de 2010

Fantasia - ar - ar-se


Deve haver grande diferença entre ver, querer e ser. Há um limbo entre estas três margens. Há algo que supre, que repõe, que substitui o vazio. Algo que pode iluminar de uma luz que bem domino. Tenho e faço uso. Fantasia.
Quando a vontade não é amiga da realidade, quando houve casamentos que não foram comigo, quando Evaristo Costa não passa de um âncora de jornal, quando Lucas é só pensamento, e Edgar já morreu em altares, existe a fantasia. O caminho de fuga, que me alegra e enche o peito. O caminho marginal, que vai beirando a realidade e quase me faz louco. O caminho da mentira, na qual me perco desesperado, ávido por alegria alguma que não faço encontrar enquanto pisam meus pés.
Se dói pisar, me sento e com os pés sobre almofadas de veludo vinho, leio um romance. Se o espelho me traz o choro, vou ao cinema, vejo a novela. Se a solidão me quebra os ossos, eu deito em cama quente, sob edredom gostoso e ponho-me a namorar. Vivo casamentos, vivo paradas de posse em primeiro de janeiro...
Quando o devir, por vir e o que veio não se entendem acho que vem-me a fantasia. Potência e ato não namoram mais. Não se vêem... Potência e desvario. Ato e desespero. Ter e ser, não mais me importam, construo o meu reino no habitat da loucura. O louco parece não querer as convenções, parece nem saber o que vem a ser aquilo do que lhe chamam. O louco é um rei. Rei da margem e da verdade de seus caminhos unicamente seus. A loucura não acampa o coletivo. Tampouco se importa com ele. A fantasia é louca, louca como a fada que a produz. Escapes entorpecidos. Absinto e vodka.
A fantasia me protege. Fantasio-me como Perseu usa um escudo. Fantasio por necessidade. Fantasio pra curar a dor dos calcanhares que inflamados do tanto pisar. Ah, fantasias... Tão minhas. Tão minhas... Tão minhas também serão as drogas que o psiquiatra me receitará já na primeira consulta... 


 Mickey Mouse: o mais suave traficante da droga mais agradável...
 

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Quase discurso do método: o poder medicinal do chocolate


Os dois primeiros parágrafos deste texto foram escritos minutos antes de eu comer um chocolate. Considero de grande importância destacar isso aqui e reutilizar esse trecho a fim de mostrar como o texto acabou tomando um caminho plenamente diferente do que eu pensava antes do chocolate.
Título idealizado pré chocolatinho: Of-LIFE, ou coisa parecida.
Levantar-se cedo e sair a fazer, a ser alguém ou a preparar o alguém que se virá a ser um dia. Acho que a vida não passa de um cumprir de tarefas agendadas mesmo antes de comprada uma agenda, mesmo antes de comprado um ser, mesmo antes de chegar a ter sido. Eu não queria incidir no piegas e perguntar mais o uma vez o que é a vida, mas já o estou fazendo. Quero não parecer infantil ou coisa do tipo com um questionamento tão tenro quanto este.
Parece que vivo pra atingir metas, chegar a lugares; sentar em cadeiras. É isso vida? Pleitear lugares de respeito? Quem sou durante o tempo em que persigo minha Cidade de Esmeralda?
Daí, fui à cozinha, pois a água do café estava fervendo (não suporto café de cafeteira, tem que ferver a água e usar o coador...). Então, lembrei de pegar um pedaço de chocolate, nada extraordinário de mais: Hersheys, por sinal. Voltei pro meu palco, digo, PC e, munido de café mordi um pedaço de chocolate e me foi impossível escrever coisa outra além de:
E vem-me o gosto do chocolate me tomando as noções da língua, e um café quente faz queimar o meu céu da boca, mas tudo vai começando a parecer melhor e Lily Allen que já estava no ouvido, vai se tornando mais audível com suas críticas suaves e engraçadas. A vida não tem sentido mesmo, tem? Ela não é um jogo, onde você tem de tirar no dado a sua profissão, pôr um pino no carrinho a cada filho angariado e nem virar um magnata no final. A vida, diferente do jogo, que se diz dela, não termina quando você se torna um magnata. Há o depois. Há o que vir no adiante. Deixar ser, deixar acontecer. Não ganha aquele que conta mais dinheiro, o tal que teve mais hotéis no Morumbi. Não ganha o dono da Av. Nossa Senhora de Copacabana. Não ganha o infeliz que vive caindo na prisão ou nas garras do leão.  
Talvez o vencedor seja aquele que teve de desenhar Lucélia Santos em “Imagem e Ação” ou aquele teve de fazer uma mímica de “A rosa púrpura do Cairo” ou de “O ultimato Bourne”. A vida é um jogo em que o vencedor é aquele que viveu, não o que correu atrás dela, ávido por ela e por se alguém dentro dela. Vence na vida, aquele que nunca pretendeu isso, assim como a Pedra Filosofal vai parar nas mãos de quem não almeja usá-la para benefício próprio. A vida talvez queira ser vivida sem a pretensão de seus viventes. Que dancem. Dancemos. Que pulemos! Comamos mais chocolates. E é bem isso o que devo fazer agora mesmo, acho que as endorfinas estão outra vez se aprisionando. O efeito chocolate é um mero paleativo e se vai, se esvai e me deixará só tão logo. Gostaria de assistir o “Conde de Monte Cristo” ou “Mudança de hábito”, vai ver seja preciso um “Jardim Secreto”.

domingo, 11 de abril de 2010

A ignorância sobre o hoje que já nos tomou no passado torna-se engraçada, uma vez calcados no terreno dos acontecimentos de agora. E nem sabíamos o quão enredados estaríamos nessa coisa estranha, confusa e angustiante que aprendemos a chamar de vida. E a gente não pôde dizer o que seríamos, onde estaríamos, com quem. A ignorância do que nos tornaríamos nos trouxe ao que somos, pois, afinal se pudéssemos antever, muito não seríamos então. Muito seria impedido. Muita dor seria podada já na essência. Muito seria evitado.

Uma vez aqui em cima, depois de certo e também longo caminho percorrido, nos damos com aquele de nós lá do começo: aquele de nós que ainda não tinha tamanho pesar. E torcemos, como quem acompanha uma montagem da Paixão de Cristo, para que façamos escolhas diferentes, que não tomemos aqueles caminhos, mas é um torcer inútil, estamos fartos de saber que o Cristo foi a cruz. Torcemos pela vitória num jogo reprisado, do qual já conhecemos a derrota.

E os próximos. A neblina do alto da montanha me impede de ver adiante. De saber o que é. Só posso contar com minhas aspirações, com o que quero que venha... E outra vez me pego ignorante, sujeito aos mesmos erros, aos mesmos resultados errôneos ou até certos, de alguém que se pudesse prever o adiante, no mínimo, faria algo para impedir parte dele.

terça-feira, 6 de abril de 2010

"At Waterloo [Dorothy] did surrender"


Sonhei que estava sonhando um sonho bom. Comigo, Feiticeira, armário, leão, homem de lata, espantalho, Totó. Eu: Dorothy, Lúcia, Alice. Eu era Godot e não vinha; eu era o mágico e ludibriava os outros com minhas histórias, com meu jeito de falar. Eu era Aslam e dizia tudo, e enchia o peito, o enchia de mim. Sei que era tudo sonho, que tudo era Literatura; eu sou Literatura. Tudo o que sou é o que escrevi. Sou pouco. Também sou o que li; também sou o que escreverei. Sou Milena, Lucas; sou Lean, sou todos eles e acho que serei Alana.
Eu sou Alice correndo atrás do coelho; sou Alice encarando a Rainha de Copas; sou Alice, uma nova vez, afogando-me em minhas lágrimas. Me perco no labirinto, no do Fauno, do Minotauro, no do Torneio Tribruxo. Me perco no tabuleiro de Xadrez de Bruxo, no tabuleiro de Jumanji. O negócio é me perder: nas letras e palavras, seus fonemas, sua música. Me perder também entre as porradas nas minhas teclas. Me perco nos olhares dos Lucas’s, no sorriso de Milena, nos suicídios de Alana. Alana sempre se mata. A cada novo conto ela acha um jeito de dar cabo de si. Ala é minha vontade. É a coragem que busco na Estrada de Tijolos Amarelos. A saída da loucura esteve sempre nos próprios pés. E posso sair do abismo no qual me meti. Eu tenho sapatos.
Quando percebi que eu queria ir à Nárnia, que eu, de fato, queria estar lá; quando me entristeci por entender que Nárnia não existe, me dei conta, como nunca, de que sou Literatura, e por isso nem existo. Sou apenas a sombra acordada e triste. Uma sombra frustrada, desenganada; nunca desencantada. Não há Nárnia, não há Hogwarts. Nada de Oz ou País das Maravilhas. Mas há Godot – nem que perdido em algum lugar, impedido de chegar. Há o mágico; Aslam persiste e Dumbledore me ama.
Se sonhei acordei desgostoso. Por que me tiraste o sonho? Por que despertaste-me? Justo agora que Herminone Granger e eu lutávamos contra o mal? Justo agora que Cristo me tomou em seu colo e me levou a uma procissão de travestires? Por que me roubaste  primo do Porco? Deixasse-me dormir. Sonhar, escapar da minha realidade fria e sem ação, emoção; sem cadeiras de prata, sapatos de rubi, sem desaniversário, sem Nimbus 2000.

domingo, 4 de abril de 2010

Eu mato a minha angústia no teclado


Eu mato a minha angústia no teclado
Pois esse é o único modo que sei de me deixar vivo.
É no teclado que eu mato tudo o que dói.
Ali, eu aperto, estouro, espremo:
Pus e secreções...

Eu mato a feiúra no teclado.
Tudo o que é feio não resiste ao contato dos meus dedos com ele.
Não resiste e se torna belo.
Eu dou vida a toda dor no teclado,
Pois do tanto que tento matar,
Não faço além de deixar escapar mais.
Eu mato a minha angústia no teclado
Porque ele é o único que pode suportar o peso de meus dedos
E o peso que jogo sobre ele.
Além do meu teclado, que outro ser se sujeitaria a formar tais sentenças?
Eu espanco o meu teclado pra não ter que espancar ninguém!
Eu me escondo atrás dele; o teclado me protege, me liberta para dizer
[o que a língua não consegue
Enrola, se perde. Louca!
E quando a angústia se alia ao tédio e escorrem juntos por mim inteiro
É o pobre do teclado que dispara a executar minha melodia doente.
Eu mato quase toda a minha angústia no teclado,
Por que calejado de apanhar, não se queixa do fardo de receber
Sobre si, constantemente, o peso da desgraça contida em seu eu.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Moinhos, o mundo e uma criança


Que decepção!: acordar de manhã e se dar conta de que toda maravilha vivida não passou de um sonho. Acordar e dar com a realidade debochando de você. Dizendo: “Besta. Acreditou nas falácias do seu subconsciente desesperado.” Agora, tudo é secura diante do nada que não chegou a existir. E se tinha tamanho tesouro nas mãos e agora não mais.

Não para mim! Acostumado às vias do devaneio, escapo! Vou! Fugindo pelas vielas do pensamento, Sobrinho de Mago que sou, atravesso Guarda-roupa, dou com Feiticeira, abraço Leão. Ando a Cavalo, brinco com seu Menino. Vislumbro um Príncipe, viajo com ele em seu navio, peregrinação na Alvorada. Descanso numa Cadeira de Prata, onde me preparo para encarar a Última Batalha. E a realidade quer me levar o brilho dos olhos, quer extinguir a última chama acesa em mim. O Nada levanta-se para devorar a minha Imperatriz Menina!

E me dói, a certeza de que cresço. Cresço e não posso mais alimentar-me. Alimentar os anseios de fuga, de heroísmos, de amores... Cresço e sinto arder meus pés. Eles não aguentam o peso de andar. E quando eu quase penso que sonhar não pode ser mais a minha praia, me vem Cartola, um paternal Cartola, com uma voz suave, carinhosa, me dizer que ainda é cedo, que mal comecei a conhecer a vida e que, mesmo resolvido, minha vida ficaria pelas esquinas. Ele me chama mais perto e me diz pra ouvir bem: “o mundo é um moinho”. Um moinho que tritura. Um moinho é capaz de levar um Quixote à beira do abismo. Retorno à querida Cecília, “não sei se saio correndo, ou se fico tranquilo...”

Cartola pai me pede para ficar, protegido pelo manto das ilusões, dos devaneios; a Cecília criança, se inquieta indecisa. Dom Quixote me mostra a morte que há em sair em busca de viver devaneios. Não sei se cresço ou se me escondo. Não sei vou ou se me resguardo. Não sei se faço sexo ou se leio Jane Austen. Talvez, ainda seja cedo, pai. Talvez seja já tarde.

Foto: Minha irmã, um pangaré de mentirinha e eu. No tempo que se tirava fotografias em praças nos bairros.