Tornas-te um vencedor; o que requer um que
sucumba a ti. Um que chorará a tua alegria. Que sirva de sombra à tua
tranqüilidade. Tornas-te senhor deste outro que sorrirá à dor que a si mesmo
castiga e inventará, tão somente para si, histórias onde tu hás de ser o herói
mais bem portado com tua nova alma, aquela do retrato falado, como te pintou o
pobre, o derrotado. Não haverá em ti falha alguma por que se vasculhe, tua voz
será a mais suave, teu olhar o mais contemplativo. Porque haverá cativeiro e tu,
é provável que sejas, o juiz cego.
Ainda que a
despeito da tua sapiência, tornou-se-te
o vencedor de um vencido tonto da novíssima alegria que foi de encher-lhe o
peito. E por cuidar ser vencedor, uma vez derrotado, acha-se feliz de
apresentar-se às pedras de uma revoltada multidão. Cativo e exultante de uma
esperança que se lhe chega a cada dia. Alforriado e triste de perceber que de
nada vale a sua esperança.
Podes tu ser o
culpado? Há de a culpa se tornar teu carrasco, aquela que vem à tua alma e lha
dá do pus? E o que tens tu com isto? Não. Tu foste o que nunca deixaste de ser.
Pobre dos corações menos afortunados, pobres os espíritos que desconhecem a
malícia. Ó, que calejados, tais espíritos não reincidam no vício de
derrotarem-se a si mesmos. E queres o troféu? Uma vez vencedor, há o que seja teu
e que deva ser levado para casa contigo. Talvez não te seja interessante. O que
há de bom em receber um prêmio pelo qual não competiste?
E quando, quem
sabe, faça-se a vez de ires reclamar o despojo da tua vitória, quero saber se
ele ainda estará lá. Ou terá sido catado por um bêbado faminto que fuçou pelo
teu lixo. Talvez tu nunca venhas a saber se ainda estará lá, e mais: pode ser
que nunca tenhas sabido que esteve. E alguém dá crédito a um pule de bicho
achado no chão? Pode bem haver uma fortuna perdida ali e em, algum lugar, um
jogador bastante frustrado com sua tolice. Mas tu não jogaste e é bem provável
que o tal talão tenha sido lançado fora ao acaso por um muito irritado viciado
de mais uma vez ter jogado no coelho e mais uma vez ter dado cobra.
E o vencer que
um dia o Camões te disse ecoando na boca da tua professora de Literatura? E da
servidão de um vencido para com o seu vencedor? Não há de ser fácil, reconheço
sem grande dificuldade, para um pugilista se portar com decência quando o juiz
da partida segura duas mãos e levanta uma que não a sua, mas se serve ao que
vence. E o vencido não sabe servir a si mesmo. E assume sua feição abatida e
resigna e reconhece o mérito do outro quando das entrevistas todas no descer da
arena. Mas para o pugilista, a não ser quando é peso pesado e almeja lutar como
pena, não há vias de ganhar quando se perde.
Um duelo é um
enquadre fechado de assumir só um vencedor e só um único derrotado. Contudo,
sei de arena, onde vencedor e derrotado podem ambos ser derrotado e vencedor
concomitantemente, assim ao mesmo tempo com toda essa redundância e desse
jeito. Foi ainda o Caolho quem te disse isso antes mesmo que eu tivesse vida
para dizer-te.
Num duelo
suave onde pisar requer cuidado e o derrotado leva para casa o troféu de sua
ruína que vai cheio da luz que sobreveio ao coração. E o vencedor renega a vitória
desejando nunca tê-la tido, tamanha a repugnância que ela lhe inspira. Eu perco, tu vences, ele chora, celebramos.
Obs.: Este texto é parte de um romance que vem sendo escrito desde 2008 e não sei por que não se termino.
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