sexta-feira, 13 de maio de 2011

A madrugada dos nubentes

Eles, na véspera do dia da forca ou casamento, como melhor preferir meu apreciado leitor, mantinham uma conversa pra lá de filosófica via mensagem no Face Book. Ela fuma um cigarro, coisa que nunca fora muito fã de fazer, mas seu pai lha aconselhou em virtude da pressão que o casamento poderia exercer sobre ela; o que ela não sabia era que, não demorava muito, ela terminaria o maço do cigarro mentolado que ela fumava, ora tossindo, ora engasgando, ora botando a fumaça pra boca e acreditando que tragava. Ele, por sua vez tinha tomado um dos comprimidos dos quais sua mãe fazia uso deliberado quando pretendia ficar relaxada. Ambos não conseguiam dormir e nenhum dos dois sabia disso até que ela postou no seu status:
“É amanhã o grande dia. Naturalmente, super estou nervosa. Amanhã é o primeiro dia do resto da minha vida toda.”
É óbvio que surgiram vários comentários e muita gente curtiu aquilo. Mas ela parou de dar tanta atenção aos comentários que foram surgindo, a cada novos cinco segundos, porque reparou que aparecera uma mensagem para ela. Advinda dele, dizendo:
“Por que decisões tão importantes das nossas vidas têm de ser tomadas justamente quando somos ainda tão jovens?”
Ao ler a mensagem ela sentiu grande estima pelo seu noivo. Ele, diferentemente de todas as outras pessoas de seu círculo de amizades no Face Book, parecia ter entendido exatamente o que ela disse no post. E respondeu assim:
“Exato! Como podemos decidir coisas tão importantes ainda tão imaturos?”
Mas achou que faltava algo e antes que ele respondesse acrescentou, em outra mensagem:
“Haverá um dia em que seremos maduros?”
Ele sorriu, parecia que ela estava no caminho certo. Ele queria questionar o que estavam fazendo, mas não dispunha da coragem necessária e tinha certo medo de despertar alguma histeria por telefone, como imaginava que seria se fosse.
“Não. Acho que nunca seremos maduros de verdade. Quando estivermos quase lá, nos tornaremos senis, rabugentos, até que voltemos a olhar tudo do ponto de vista das crianças e aí voltaremos a não ser maduros, coisa que nunca teríamos sido.” Ele respondeu. Ao que ela olhou atenta e releu, tendo relido escreveu, tendo escrito, enviou:
“Você sabe que adoro comer goiabas de vez. Nem tudo precisa estar maduro para que eu aprecie. Embora haja frutas que causam dor de barriga quando verdes ainda.”
Ele sorriu e respondeu:
“Você está pensando no que eu estou pensando?”
“Se você estiver realmente pensando no que eu estou pensando, eu juro que crio coragem de dizer que sim.” Foi a resposta dela.
“O foda é se estivermos pensando em coisas absurdamente diferentes.” Ele escreveu pra ela, ao que ela disse:
“Você, analisando o rumo da prosa, realmente acredita que podemos estar pensando em coisas diferentes?” Ela querendo chegar mais perto do ponto intencionado.
“Não. Tenho certeza de que estamos pensando na mesma coisa. Mas temo pela direção do enfoque que estamos dando para essa coisa mesma.” Ele cumprindo sua parte na escavação do ponto intencionado.
“Podemos ser sinceros?” Ela querendo jogar a batata quente na mão dele. Ele era tão sensível a ela que sempre percebia quando a força dela ruía e era a vez dele ser forte. Acontece que é sempre ela a primeira a ser forte e ele vai na força dela, tranquilo, até que ela pede pinico e ele entende que é a vez dele de ser forte. Então, respondeu:
“Havemos sempre de ser sinceros um com o outro. Me prometa isso. O que precisamos é falar sobre como anda a nossa certeza em relação ao que faremos amanhã. Estamos certos do sim?”
“Eu nunca estaria incerta do sim. Jamais faria isso contigo. E, a propósito, eu prometo sim. Sincera sempre.”
“Você não faria isso comigo?! E com você? Você faria isso, se obrigaria a ficar comigo só pra não me ferir?” Ela deu uma violenta tragada no cigarro e se perdeu numa ainda mais violenta crise de tosse. Por isso demorou a responder:
“Você está se obrigando a ficar comigo pra não me magoar?”
Ele, em virtude da demora da resposta dela somada ao comprimido que tomara, deixou pender a cabeça por uns segundos e não viu a resposta dela. Mas logo acordou exaltado com o toque do seu celular:
“Oi.” Ele disse ao ver que era ela.
“Responde a mensagem!” Bem ríspida e nervosa, aflita coitada.
“Ta.”
Ele leu a mensagem dela e disse:
“Não.”
“Eu também não estou. Então, isso é estarmos certos do sim?” Ela um pouco mais tranquila agora.
“Não sei. Vai ver seja normal casais a beira do casamento se questionarem se querem isso de fato.”
“É. Vai ver é. Não posso saber, nunca casei antes.”
“Então está querendo me fazer de cobaia, garota?! (rsrs)”
“Talvez sim, meu pequeno ratinho.”
“Então: você quer casar comigo?”
“Acho que eu já respondi a essa pergunta.”
“E mudou de ideia?”
“Não. Mas queria fazer um teste, último.”
“Ih... E se eu não passar?”
“Se bem te conheço, você passa sim.”
“Então, diga.”
“Vamos trepar loucamente em algum canto na rua, nos colocando em risco. Acho que essa experiência vai nos dar um gostinho do que é estar casado.”
“Você enlouqueceu?”
“Não fumei uma carteira de cigarros que meu pai me deu.”
“Você?! Você nem sabe tragar. É patética com toda a tosse...”
“É, rapaz, é bom você ir conhecendo as cartas que sua futura mulher tem nas mangas. Então, topas ou não topas o meu teste?”
“Olha, acontece que eu tomei um comprimido relaxante aqui e acho que alguém ta bastante relaxado e aquecido no interior da minha cueca. Talvez ele não queira ir pra rua.”
“Bem, se eu não conseguir deixá-lo tenso e cheio de vontade de vir pra um lugar muito mais quente que sua cueca, eu acho que de fato não devemos nos casar.”
“Mas sexo não sustenta um relacionamento.”
“Não. Verdade. Mas o mantém vivo.”
“Onde?”
“Não sei. Vem descendo que eu intercepto o elevador e a gente resolve isso na rua.”
“Certo.”
Ele tomou o elevador e três andares abaixo ela o fez companhia.
“Você tem ideia da loucura que estamos prestes a fazer?” Ele perguntou pra ela.
“Qual das duas? Essa que estamos indo fazer agora, ou a que faremos amanhã? Nesta estaremos sujeitos a polícia. Na de amanhã, se for passo em falso, a fiança sairá bem mais cara.”
Ela o abraçou forte enquanto ele cheirava sua nuca. Ficaram assim pelo breve momento compreendido entre o andar dela e o térreo.
“Você é maluco.” Ela disse quando eles se achavam já fora do prédio.
“Sou eu o doido, agora?”
“Sim. Você só pode ser maluco de entrar na minha pilha.” Ele fez cara de tonto; meio perdido, não achou o que argumentar.
“Por que você acha que isso o que estamos fazendo é certa amostra do casamento?” Ele perguntou ainda meio perdido.
“Porque o casamento é uma das maiores loucuras que alguém pode cometer. E se estivermos familiarizados com as doidices, seremos bons casados.” Ela disse e ao notar uma expressão de concordância dele, acrescentou: “Certo, biscoito?!”
“Justo.” Ele disse já esticando o pescoço em busca de um possível canto de rua que fazer de cama.
Depois de andarem uns dois quarteirões, eles encontraram uma árvore numa rua silenciosa. A árvore parecia que fora plantada por antigos amantes, na esperança de proporcionar leito para futuros, que um dia pudessem se amar com o amor que haviam guardado um para o outro. Ela tinha um tronco grande e se achava quase rente ao muro de um colégio adormecido. As únicas coisas que cabiam ali, na fenda entre árvore e muro, eram dois corpos humanos, com a ressalva de estarem muito próximos um do outro. Ele a olhou sorrindo, ela apertou-lhe a mão.
Os dois se esgueiraram juntos para caberem no espaço disposto ali só pra eles. Mas não havia maneira de desabotoarem bermuda e calça. Tornaram a sair, livraram-se de tanto jeans que lhes impedia a festa. Ele pôs pra fora sua intimidade, ala abaixou a calça à altura do joelho. Semi-encaixaram as coisas e foram ocupando o espaço entre a árvore e o muro.
Ela sentiu a presença dele como nunca antes. Ele estava mais ali do que nunca dentro dela. Ele a sentiu recebê-lo de maneira que nunca havia sentido. Parecia-lhe que havia festa dentro dela por causa da sua chegada. Eles se olharam e se sentiram extremamente apaixonados; um amor tão grande foi surgindo de um para outro que culminou num beijo muito amável que, a despeito do sexo num canto de rua, superava os romantismos todos de séculos a fio.
“Seja meu.” Ela disse movimentando seus lábios entre os dele.
“Eu sou seu.” Ele com os lábios abraçando os dela.
O ritmo dos dois os envolvia fazendo-os beirar a loucura ali naquela esquina. A ela couberam orgasmos múltiplos, a ele, pobre que era, só um, que fora o melhor de sua vida até ali, por enquanto.
“Vem pra minha casa.” Disse ela enquanto eles descansavam, ele ainda dentro dela. “Vem, dormir comigo mais. Eu estou certa sobre me casar com você.”
“Está?” Ele perguntou sorrindo.
“Sim, você não.”
“Nunca fiz nada com tanta certeza como o que vou fazer amanhã. Sabe, acho mesmo é que nós podemos nos tornar um só. Você é a mulher que eu seria se eu o fosse.”
“É?! Já pensei que se eu fosse homem queria ser você.” Ela o encarava sorrindo só com os olhos.
“Então... Sejamos um o outro. Eu serei mulher através de você. Você homem por meu intermédio.”
Ela o olhou encantada.
“Antes de irmos precisamos deixar nossa marca nesta árvore.” Ele disse.
“Escreve nossos nomes dentro de um coração.”
“Não. Isso é muito óbvio. E quero que todos, os que já usufruíram desse canto, possam se identificar com o que vai ficar marcado aqui. Vai, vira pra lá e não olha.”
Ele levou um tempo considerável para marcar a árvore à chave e a chamou para ler.
“Eu já amei aqui.” Ela leu em voz alta e seus olhos se encheram de lágrimas. Se pendurou no pescoço dele e choramingou algo como:
“Vamos pra minha cama, e você se encaixa em mim. Aliás, temos um o que o outro mais precisa. E quero que você me coma e me sirva e seja meu e mais que tudo. Um só corpo e um só espírito, agora e para sempre.”
“Amém.” Ele respondeu a ela.
“Amém.” Ambos, cada um ao seu tempo, responderam ao homem com a batina quando este lhes perguntou sobre aquelas coisas de na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, pobreza e riqueza, na geral do vasco e na do flamengo, na quadra da União da Ilha e na da Viradouro e coisas mais das discórdias todas, por todos os dias de suas vidas. O padre lhes declarou marido e mulher e eles, de fato, viveram felizes para sempre, não porque era assim que tinha que ser e ponto final, mas porque souberam inventar seu próprio meio de serem felizes. Parece meio que cartilha católica apologética ao sagrado matrimônio, não é, caro leitor? Contudo preciso dizer que não o é. Simplesmente foi assim mesmo que tudo aconteceu. Eu vi, eu estava lá.


Os "nú bentes", em questão, são o casal austríaco Melanie e Rene Schachner que permanecerão pelados até que a morte os separe.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Teclas de um rosário doido

[DOÍDO?]

         Sento-me em minha cadeira como a carola que se ajoelha em altar de igreja. Ambos, preparamos nossos dedos para seguirmos em nossas preces. Ela, por meio das miçangas de seu rosário e eu a discorrer meus dedos por um teclado, que agora novo e duro. Ambos, eu e ela, dizemos coisas que vagam pelo ar com a promessa de um  ouvinte insólito.  

         Dizemos tanto e tanto, crendo que nosso tanto dizer pode surtir algum efeito. Ela em suas orações e eu em meus posts. Os dedos a contar Ave Marias,  os dedos a externar minhas heresias. Muitíssimo pertos um do outro: eu dela e ela de mim. Somos quase irmãos num fazer igual: a iluminar nossa alma da maneira que aprendemos a fazer.
 
Ela fala com um deus, e não pode ter certeza de que é ouvida; eu falo para milhões de pessoas, sem a mínima certeza de que alguém está  sabendo do que falei. Mas, tanto ela quanto eu, precisamos fazer assim, dessa forma. Achando, então, a redenção que cabe à nossa existência. Ninguém ouve o que dizemos, mas é importante que tenhamos dito e que tenhamos em mente a possibilidade de haver um ouvinte, quiçá interlocutor. Um discurso nem sempre precisa de todas as partes que lhe são inerentes. Dizemos e já estamos livres do fardo que nos possuía. Ela deposita sua esperança em Deus, de quem espera intervenção; eu deposito meus gracejos em possíveis leitores, de quem espero concordância e comentário inteligentes.  
A internet bem pode parecer um quarto de manicômio ou um altar de igreja, onde uns varridos debatem suas dores e dizem coisas sem sentido, e sem quem ouça, esperando a glória, a redenção, a concretização da loucura.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sobre AMOR & CAPITALISMO

A doença do "eu tenho"



Ela acorda no meio da madrugada e se sente extremamente feliz por tê-lo ali tão perto, mais perto até do que dela mesma. Impaciente e cheia de amor, o acorda pra que juntos compartilhassem aquele momento extraordinário. Ambos gostavam de trocar carícias inesperadas lá pra três ou quatro da manhã. Depois de uns beijos daqui e ali e uns sorrisos que nem um dos dois pôde ver, ela pergunta:

“Você me ama.” Ele fica surpreso com a pergunta era a primeira vez que ela lhe perguntava isso. Ela não precisava perguntar: sempre que um silêncio se apoderava dos dois, ele enchia o peito e dizia feliz: “Ah, garota, eu te amo.” Meio perdido, sem saber o que dizer para parecer convincente, ele disse o mais óbvio:

“Sim. Te amo.”

“Quanto?” Ela insatisfeita com a resposta querendo mais certeza, mais chão naquele turvo todo que se dava ali. 

“Não posso precisar. Eu te amo.” Ele responde certo do que dizia, e mais certo ainda do que sentia. 

“Prove. Prove que me ama.” Ela ficou de joelhos na cama e ascendeu e ligou o IPod pra iluminar o rosto dele, que franziu um pouco a testa estranhando a repentina claridade. 

“Não posso provar.” Ele disse e sua expressão de incredulidade em relação ao assunto se juntou com expressão de surpresa e de ainda não acostumar-se com a luz do IPod, ela achou que ele estava sem saco, sem paciência para ela. 

“Eu só preciso de alguma coisa a qual eu possa me apegar e ter certeza de que eu não estou perdendo meu tempo.” Ela estava com a sobrancelha levantada e já não queria mais iluminar a conversa com a luz do player. 

“Perdendo o seu tempo? O amor é abstrato, se esquece? Não posso empacotá-lo e entregá-lo na sua mão. Além do mais o amor que eu sinto por você é meu e não algo que eu tenha que te dar. Diz respeito a mim e é quase como se você não tivesse coisa alguma a ver com isso.” 

“Eu não tenho nada a ver com isso?!” Ela agora estava irritada mesmo. “É claro que eu tenho o que ver com isso. E se por achar que eu não tenho nada a ver com isso, você simplesmente se cansar e não dar a mínima pra mim, pra como eu vou ficar?” 

“Você está viajando. O amor não é sólido, nada físico. Não tem porque eu ficar aqui fazendo coisas pra prová-lo. Eu sinto e isso pra mim é suficiente. Eu te amo e saber que eu te amo me basta. Não sei se muito, não sei se pouco. Sei que amo o necessário pra te olhar e te querer, e te quer mais e mais um pouco, e ainda mais se você quer saber.” 

“Viajando eu...” Parece que ela ficara surda a algumas linhas. “Você veja bem o que você diz. Ah, olha uma coisa, eu vou dormir. Até amanhã.” 

“Até amanhã então.” Ele não queria parar por ali, estava inquieto demais e fulo da vida, queria dizer muitas e boas pra ela. Queria mesmo é chamá-la de esquizofrênica ranzinza e rabugenta, mas ela se mexeu de repente e o cheio do cabelo dela chegou às suas narinas e ele então tornou a sentir o mesmo amor por ela outra vez. E já não queria falar mais nada e como não teve coragem de chamá-la a esse amor, virou para o outro lado e tentou, tentou até que dormiu. 

Ela já acordou histérica pela manhã. Disse o que bem quis e disse que ele que provasse o que sentia, por que palavras, ela dizia irritada, “o vento vai levando até que se desfaçam e sejam esquecidas”. Ele por sua vez se encolheu dentro de si e não disse coisa alguma. Ele estava um tanto assustado. Não sabia dar provas de amor. Se sentia inseguro quanto a isso, ficar tentando mostrar o quanto amava e tal, e se não fosse bom o suficiente? Tudo o que sentia estaria simploriamente tão vulnerável ao seu modo desengonçado de ser. Ele não queria isso. Ele podia botar tudo a perder. 

Mas ela foi ainda mais longe: 

“Me prove seu amor. E sem prova é melhor você nem voltar aqui.” Ela disse quanto ele estava vestindo o tênis e tentando ignorar os milhares de quase gritos dela. 

Ele foi pra casa indignado. O que ela queria, afinal? Toda mandona exigindo coisas e provas e solidez num campo que nem físico era. Ele andou meio zonzo pela rua. E por fim, prometeu-se esforçar-se o máximo para dar a melhor prova de amor. E naquele mesmo dia, matriculou-se num curso de música. 

No intervalo das aulas, ele escreveu poemas que fariam o Jonathan de Adélia Prado sentir-se enciumado. Conforme foi ficando melhor nos instrumentos, ele compôs melodias que se Elisa ouvisse ia emudecer todas as caixinhas de música e letras que deixariam a Beatriz do Chico alarmada. Inspirado no amor que sentia, cheio de sonhos e loucura, pintou telas com o rosto da amada, com inspiração tamanha, que faria Dali torcer os bigodes se visse. Esculpiu em madeira, escreveu um romance, fez download de todas as músicas favoritas dela e gravou num cd, assistiu aos filmes que ela mais amava, leu os livros que ela lera tão repetidamente. Escolheu perfumes, fez flores de origami, pássaros e brinquedos de papel machê. Usou das drogas que ela usara. Passou uma semana fazendo as maravilhas que seu amor permitia, passando para as mãos o que era da natureza do coração, como quem passa, para segundos, horas num problema matemático. Escreveu cartas de amor. Desenhos infantis e bobos. Coloriu, perfumou, cuidou de cada detalhe e quando deu por si, não tinha mais espaço na sua casa e nem quintal para colocar todas as coisas que seu amor lhe fizera criar para que fosse provado. Por fim, deu-se conta de que não tinha como levar tudo aquilo sozinho e contratou seis caminhões. Mas eles eram sem graça demais. Ele comprou jets de tinta e grafitou os seis caminhões de maneira que os muros de Miami derreteriam de vergonha caso a frota passasse por lá... 

Quando ia sair de casa sentiu ainda mais um bocado de amor que precisava ser solidificado, mas não tinha material, a não ser um guardanapo já usado e o fim, a raspa da tinta de uma caneta. Assim escreveu:

“Minha cara,” E sentiu queimar o calo do dedo médio direito “tentei ao máximo transferir todo o meu amor nessas coisas que estou enviando. E tentei tanto, mas tanto mesmo que consegui. Aí, nesses caminhões, chega todo o meu amor. E foi tanto, que não restou nem um pouco que fosse para ao menos me despedir escrevendo-lhe “um beijo”. Isso tudo prova o amor que foi meu por você. Agora ele pode ser só seu como você queria. Passar bem.” 

Ele despachou os caminhões e se deixou cair no sofá, estava exausto e com dores em todas as partes do corpo. Também, tanto fazia: vazio como estava só queria olhar pela janela e encontrar outra pessoa a quem pudesse amar.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Meu amor me chamou pra ir com a banda

E eu só querendo continuar a toa na vida 




 
As coisas passam. Elas são passageiras. Os instantes mudam e voltam a refazerem-se. Eles são dèjá vu. Nos tornamos outro nós de nós de novo a recomeçar depois do tão fundamental que se acabou de esgotar e tornar tédio. Não me beije mais pela manhã. De manhã se quer estarei na sua cama. Saio feito quem se esgueira por um chão de navalhas e não se machuca.

O momento me importa. Quero cada um deles. Inclusive este. Quero abrir a janela e me permitir acreditar que tudo, o ar, o sol, as buzinas e a banda existem pra mim e depois, quando tornar a fechá-las retornar ao de ordinário, onde me resigno de novo. Quieto; reprogramando outra vez um outro ato de abrir-me as janelas. E debruçar-me por sobre elas, e brincar que sou rei até ser deposto outra vez.
Morro de gastura de ter janelas abertas durante o tempo todo. Não posso conceber: mosquitos, chuvas, ladrões e tédio. Eu preciso me acostumar com a janela. O seu material, do que ela é feita, preciso me cansar de suas cortinas, dos possíveis adesivos colados pelo irmão mais novo. Quero me cansar da cara das janelas, só assim será extraordinário abri-las. 

Percebo que enjôo do que conquisto. Facilmente. Basta que conquistado esteja. Percebo que não sou o fraco que costumava fantasiar ser. Ele havia me ensinado que ser fraco era melhor e que eu seria exaltado por isso. Dispenso a estrela na testa. Até de conquistá-las eu já cansei. Colecionei muitas. Quero a força, o vermelho, amarelo e laranja que passam por meus olhos tão brevemente que nem têm tempo de me deixar irritado. Quero muito agora, agora queria e não mais. Se a banda passasse todos os dias, a rosa triste permaneceria fechada; a moça feia, suas mágoas, choraria; o faroleiro, vantagem contaria e só. O carnaval nos assalta! Libertação extraordinária. É o mesmo. A mesma coisa. Mas temos um ano até que ele volte. E já o queremos de novo, como se nunca antes o tivéssemos tido. 

Agora, por favor, pare de me beijar de manhã.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Borboleta inconstante

Fiz no Paint. rs - acho que se nota!

Meu coração é livre. E asa de borboleta!
Que bate até quanto pode.
Que vai até onde quer.
E frágil, mas me sustenta.
E forte, mas vive inconstante.
Direções e direções e quantas!
Digressões de minhas cores brio.
Ah, coração borboleta,
As flores esperam por nós.
A folhas hão de cantar-nos os feitos,
Os ventos despejam-nos por fim.
Sim, coração inconstante,
Que tão facilmente me leva,
Já sei do alvo novo e distante
Que apontas e a dor me espera.