terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Sobre AMOR & CAPITALISMO

A doença do "eu tenho"



Ela acorda no meio da madrugada e se sente extremamente feliz por tê-lo ali tão perto, mais perto até do que dela mesma. Impaciente e cheia de amor, o acorda pra que juntos compartilhassem aquele momento extraordinário. Ambos gostavam de trocar carícias inesperadas lá pra três ou quatro da manhã. Depois de uns beijos daqui e ali e uns sorrisos que nem um dos dois pôde ver, ela pergunta:

“Você me ama.” Ele fica surpreso com a pergunta era a primeira vez que ela lhe perguntava isso. Ela não precisava perguntar: sempre que um silêncio se apoderava dos dois, ele enchia o peito e dizia feliz: “Ah, garota, eu te amo.” Meio perdido, sem saber o que dizer para parecer convincente, ele disse o mais óbvio:

“Sim. Te amo.”

“Quanto?” Ela insatisfeita com a resposta querendo mais certeza, mais chão naquele turvo todo que se dava ali. 

“Não posso precisar. Eu te amo.” Ele responde certo do que dizia, e mais certo ainda do que sentia. 

“Prove. Prove que me ama.” Ela ficou de joelhos na cama e ascendeu e ligou o IPod pra iluminar o rosto dele, que franziu um pouco a testa estranhando a repentina claridade. 

“Não posso provar.” Ele disse e sua expressão de incredulidade em relação ao assunto se juntou com expressão de surpresa e de ainda não acostumar-se com a luz do IPod, ela achou que ele estava sem saco, sem paciência para ela. 

“Eu só preciso de alguma coisa a qual eu possa me apegar e ter certeza de que eu não estou perdendo meu tempo.” Ela estava com a sobrancelha levantada e já não queria mais iluminar a conversa com a luz do player. 

“Perdendo o seu tempo? O amor é abstrato, se esquece? Não posso empacotá-lo e entregá-lo na sua mão. Além do mais o amor que eu sinto por você é meu e não algo que eu tenha que te dar. Diz respeito a mim e é quase como se você não tivesse coisa alguma a ver com isso.” 

“Eu não tenho nada a ver com isso?!” Ela agora estava irritada mesmo. “É claro que eu tenho o que ver com isso. E se por achar que eu não tenho nada a ver com isso, você simplesmente se cansar e não dar a mínima pra mim, pra como eu vou ficar?” 

“Você está viajando. O amor não é sólido, nada físico. Não tem porque eu ficar aqui fazendo coisas pra prová-lo. Eu sinto e isso pra mim é suficiente. Eu te amo e saber que eu te amo me basta. Não sei se muito, não sei se pouco. Sei que amo o necessário pra te olhar e te querer, e te quer mais e mais um pouco, e ainda mais se você quer saber.” 

“Viajando eu...” Parece que ela ficara surda a algumas linhas. “Você veja bem o que você diz. Ah, olha uma coisa, eu vou dormir. Até amanhã.” 

“Até amanhã então.” Ele não queria parar por ali, estava inquieto demais e fulo da vida, queria dizer muitas e boas pra ela. Queria mesmo é chamá-la de esquizofrênica ranzinza e rabugenta, mas ela se mexeu de repente e o cheio do cabelo dela chegou às suas narinas e ele então tornou a sentir o mesmo amor por ela outra vez. E já não queria falar mais nada e como não teve coragem de chamá-la a esse amor, virou para o outro lado e tentou, tentou até que dormiu. 

Ela já acordou histérica pela manhã. Disse o que bem quis e disse que ele que provasse o que sentia, por que palavras, ela dizia irritada, “o vento vai levando até que se desfaçam e sejam esquecidas”. Ele por sua vez se encolheu dentro de si e não disse coisa alguma. Ele estava um tanto assustado. Não sabia dar provas de amor. Se sentia inseguro quanto a isso, ficar tentando mostrar o quanto amava e tal, e se não fosse bom o suficiente? Tudo o que sentia estaria simploriamente tão vulnerável ao seu modo desengonçado de ser. Ele não queria isso. Ele podia botar tudo a perder. 

Mas ela foi ainda mais longe: 

“Me prove seu amor. E sem prova é melhor você nem voltar aqui.” Ela disse quanto ele estava vestindo o tênis e tentando ignorar os milhares de quase gritos dela. 

Ele foi pra casa indignado. O que ela queria, afinal? Toda mandona exigindo coisas e provas e solidez num campo que nem físico era. Ele andou meio zonzo pela rua. E por fim, prometeu-se esforçar-se o máximo para dar a melhor prova de amor. E naquele mesmo dia, matriculou-se num curso de música. 

No intervalo das aulas, ele escreveu poemas que fariam o Jonathan de Adélia Prado sentir-se enciumado. Conforme foi ficando melhor nos instrumentos, ele compôs melodias que se Elisa ouvisse ia emudecer todas as caixinhas de música e letras que deixariam a Beatriz do Chico alarmada. Inspirado no amor que sentia, cheio de sonhos e loucura, pintou telas com o rosto da amada, com inspiração tamanha, que faria Dali torcer os bigodes se visse. Esculpiu em madeira, escreveu um romance, fez download de todas as músicas favoritas dela e gravou num cd, assistiu aos filmes que ela mais amava, leu os livros que ela lera tão repetidamente. Escolheu perfumes, fez flores de origami, pássaros e brinquedos de papel machê. Usou das drogas que ela usara. Passou uma semana fazendo as maravilhas que seu amor permitia, passando para as mãos o que era da natureza do coração, como quem passa, para segundos, horas num problema matemático. Escreveu cartas de amor. Desenhos infantis e bobos. Coloriu, perfumou, cuidou de cada detalhe e quando deu por si, não tinha mais espaço na sua casa e nem quintal para colocar todas as coisas que seu amor lhe fizera criar para que fosse provado. Por fim, deu-se conta de que não tinha como levar tudo aquilo sozinho e contratou seis caminhões. Mas eles eram sem graça demais. Ele comprou jets de tinta e grafitou os seis caminhões de maneira que os muros de Miami derreteriam de vergonha caso a frota passasse por lá... 

Quando ia sair de casa sentiu ainda mais um bocado de amor que precisava ser solidificado, mas não tinha material, a não ser um guardanapo já usado e o fim, a raspa da tinta de uma caneta. Assim escreveu:

“Minha cara,” E sentiu queimar o calo do dedo médio direito “tentei ao máximo transferir todo o meu amor nessas coisas que estou enviando. E tentei tanto, mas tanto mesmo que consegui. Aí, nesses caminhões, chega todo o meu amor. E foi tanto, que não restou nem um pouco que fosse para ao menos me despedir escrevendo-lhe “um beijo”. Isso tudo prova o amor que foi meu por você. Agora ele pode ser só seu como você queria. Passar bem.” 

Ele despachou os caminhões e se deixou cair no sofá, estava exausto e com dores em todas as partes do corpo. Também, tanto fazia: vazio como estava só queria olhar pela janela e encontrar outra pessoa a quem pudesse amar.