domingo, 21 de outubro de 2012

Escuro


Tudo em volta fede e se irritam as narinas
O céu que não impede se desmancha em ruínas
Em desvarios torpes se enriquece às minhas varizes
Cuidado! Não me poupes quero dias mais felizes

Tudo em volta fede e se irritam as narinas
O Sol que nos derrete nos renova com vacinas
Recarregando pilhas penso eu que estou dormindo
Acumulando milhas redefino o que é lindo

No escuro de tudo isso, não vejo nada.
No escuro em que me encontro,
A minha vida é minha vida é uma piada.

No escuro de tudo isso, não vejo nada.
No escuro em que me encontro,
Reza a lenda imaculada.

Eu compro minha crença num stand em feira fera
Assumo minha doença: Cinderela que espera.
Sentido para a vida coisa que já não questiono
Vivendo pra comida d’alta roda eu sou mordomo.

Eu compro minha crença num stand em feira fera
Evito desavença.Clamo pela nova era.
Sou platéia de tudo e é mim que a conta vence
Eu obedeço mudo sem que haja o que compense.



terça-feira, 16 de outubro de 2012

Os livros na estante


Começa a crescer em mim, outra vez, aquela sensação libertadora. Outra vez, um desejo de retirar da estante o Victor Hugo, tirar-lhe a poeira e pôr-me a, enfim, saber o que acontece com o Jean Valjean, ou comigo, não sei. De miseráveis que fomos, o Jean, o Victor e eu. É que tudo vai tomando o seu lugar, o devido; de onde não deveria ter dado brecha à tamanha vulnerabilidade. Este tudo, que andou bagunçado depois que você veio aqui, começa a querer outra vez me restar, me viver, me sorrir e trazer de volta.

É que aquela vontade de te encontrar, escafandrar alguma alegria no seu fundo, talvez verdadeiro, talvez duvidoso, tornou-se difusa no decorrer da calma toda que absorvi ao seu [não] lado, enquanto o seu rosto se desfigurava no castanho claro dos meus olhos, e você, entre os meus dedos, que iam meio fechados, meio querendo abrir-se, me escorria porque não me pertencia. Perdi-me dessa sombra que nem tem mais cheiro, que perdia o timbre da voz enquanto meus lábios já nem gozavam mais do gosto que me tiveram os seus.

À noite eu me deito e não é mais seu rosto que me embala o sono. Era ainda o seu nome, era ainda a sua ideia, mas não mais o seu rosto, que além de desfigurado na minha retina, sumiu, também, no emaranhado dos meus muitos devaneios de longo tempo já pensados, vai ver vividos.

Os livros na estante, todos eles, recobram de pronto toda a importância que sempre tiveram. Recobram a força, aquela com a qual sempre me arrancaram lágrimas ou dentes à mostra. E deles, eu nunca devia ter me desprendido. Não dos livros na minha estante, não dos meus faróis em mares de onda e sombra. Foi-se a poeira das preciosas páginas, foi-se a fuligem do abrandado coração, como parei de assistir a novela que eu andei tentando escrever; a emissora rejeitou o argumento, abriu mão do sentimento que eu tentava incutir nela.

E agora aqui, sem a novela, volto aos livros sem cautela, páginas frescas, amarelas como a flor no meu jardim.

domingo, 14 de outubro de 2012

Uma saga no rio de janeiro


            Na volta pra casa, ele tem que tomar duas conduções, já bem complicado o destino do moço. Daí, com pouco dinheiro, doido por um cigarro, suprime uma das duas e compra uns quatro cigarros a varejo. Precisa botar algumas ideias em ordem, pensar em alguns enquadres, coisas que quer escrever, contar aos outros, coisas que quer imaginar só por fazê-lo. Uma caminhada de meia hora jamais lhe faria mal. Coitado de pensar assim. 
            Daí, segue, fumando seu passo rápido de cabeça na lua e num outro rapaz. Cruza umas gentes e segue contente até que:
            “Aí, playboy.” Pronto! E nem terminei de pagar o celular ainda. “Com todo respeito, me arruma um cigarro seu aí.” Ufa, não é um assalto, é só mais um descamisado querendo tragar.
            “Po, cara. Só tenho esse, comprei a varejo ali em baixo.” E se eu te der um cigarro meu, ele deixa de ser meu, compreende?
            “Aí, deixa eu dar a vinte, aí.” Puxa vida! Que inconveniência. Que vida mais dura, que ser mais pidão.
            O moço deixa a vinte, não antes de uma boa traga, e segue seu rumo se pondo a pensar até que:
            “Oi, você sabe onde fica o Hospital de Olhos.” Tudo bem, tudo bem. Só uma tonta perdida que nem sabe onde ta.
            “Olha, segue reto até um supermercado verde e lá você torna a pedir informação.” Se quiser, dobra a esquina, isso. Logo ali, na puta que te pariu.
            “Ta.” A desgraçada nem agradece e ele segue andando, pensando no sonho, no que tenta ser, criando, criando e tentando esquecer até que:
            “Mininu.” Mas que cacete! Todas as pessoas do mundo vão falar comigo hoje?! “Que horas tem?” Essa gente não tem noção de polidez? E onde fica a história de minimizar o sofrimento do outro. Não, porque ser interpelado na rua por um desconhecido é um sofrimento, ser tirado de si mesmo com tamanha brutalidade é um peso que precisa ser minimizado, tipo, com licença, pode – “poderia” seria pedir demais – me dizer as horas? Pelo menos, ora!
            “To sem relógio.” E se a tal vovó fosse uma isca pra assalto, tipo sondando qual era o seu aparelho celular.
            Ela nem responde. Ele continua, tenta voltar a pensar nas coisas. Acende o segundo cigarro e vai andando, seu passo fumante, soltando fumaça, gozando uma paz, até que:
            “Ai, acende aqui um cigarro.” Bem pelo menos essa queria só o isqueiro. Não fazia tanto mal, mas que inferno de fumante que não anda nem com um caixinha de fósforos?
            Ele vasculha o isqueiro no bolso, finge olhar pro lado e o entrega à mulher.
            “Brigada.” Hum, ela sabe agradecer. Vai arranjar um bom marido!
            Lá vai ele, tentando lembrar exatamente em que estava pensando antes da última interrupção e, sem sucesso, desiste pois não devia ser nada importante mesmo. Segue com novo pensamento, muito rápido se entretém sozinho, num instante recria novelas próprias de si mesmo e lá vai de novo, no rapaz, o pensamento até que:
            “Meu amigo, tem como você me ajuda?” Mais o quê agora?
            Ele para fingindo-se atencioso.
            “Poxa, eu fui assaltado, levaram meu celular, deram uma coronhada na minha cabeça...” Ai pede logo pra eu dizer que não tenho e seguir meu caminho. “... e eu vim aqui visitar minha tia no hospital e agora nem tenho dinheiro pra ir pra casa, eu to tentando juntar o dinheiro da passagem pra mim ir pra Magé. Tem como você me ajudar.” Ai, meu Deus, coitado, todo mundo pode ser assaltado e ficar a pé. Assaltante filho da puta, assaltar pobre é sacanagem, mas:
            “Po, cara, nem posso te ajudar. Também to andando porque to sem dinheiro...”
            “Po, valeu aí.” E se vira com cara de choro pra abordar o próximo passante.
            Volta ao seu caminho tentando mais uma vez organizar suas ideias, já esquecendo do último encontro e vai começando a respirar aliviado e pensa e conjetura, tenta brincar de flâneur até que:
            “Oh, jovem.” Ai, caralho, mais essa. “Você conhece a palavra de Deus?”
            Putz! Que tem Deus a ver com isso. Só queria chegar a casa, conseguir passar daquela feira, que antes parecia só uma avenida.
            “Você sabe que Jesus morreu pra salvar a sua vida?”
            “Sei, irmão. Já entreguei minha vida a Ele. To fumando ainda porque, sabe como é, né? É todo um processo. Mas Deus ta trabalhando nessa causa e, sem demora, eu vou contar essa vitória.”
            “Glória a deus! Isso mesmo, jovem. Você vai contar essa vitória.” E pra não perder o costume o homem lhe entrega um panfletinho dando glórias e glórias agradecendo mais esta mentira.
            Ele vai andando, fumando o pouco que resta do cigarro, amassando o panfletinho e seguindo sua viagem. Chega ao ponto de ônibus e se põe a esperar que ele venha, volta a pensar nas coisas, tenta sorrir de tudo, até que:
            “Ai, parceiro, ta no dinheiro ou no riocard?” O cara surge como que do nada, assim brotando de algum portal de dentro do poste. “Saqual é, to com um riocard aqui e queria ver se dava pra tu me dá o dinheiro e deixar que eu passo o cartão no ônibus pra tu.”
            “Po, cara. To com bilhete único também. Nem dá.” E segura o bolso para que as moedas não tilintem enquanto abre caminho para o tal cara passar e ir importunar outro.
            Vem o ônibus, ele faz sinal entra, fica em pé e começa a pensar, aliviado, descansado, só ele mesmo e suas divagações quanto a isto e aquilo, da ordem da vida, do rumo das coisas, das contas e tudo o mais até que:
            “Primeiramente uma boa noite a todos. Sem querer interromper o silencio da sua viagem e nem mesmo o descanso do seu sono, né? É que eu podia ta matano, eu podia ta robano, mas vim aqui, né, apresentar pra vocês essas deliciosas gomas de hortelã, né? O passatempo da sua viagem, hein, alivia a tosse e melhora o hálito. Uma é cinquenta centavos, três é um real.”
          

sábado, 13 de outubro de 2012

Ato Institucional - Nº Cor de Rosa


É proibido sofrer de amor não correspondido! 





Doravante, o tal câncer nos ossos deve ser visto com agrado. Deve ser pulado tal qual a efemeridade de um carnaval vagabundo, que festeja, ali mesmo na sarjeta enlameada, e pula maculando o branco do AllStar.

Porque amar, apesar de transitiva, é uma ação que pode encerrar-se em si mesma. Pode bradar a própria alegria ainda que no meio do escuro. Uma vez tomado o veneno cor de rosa, o corpo que se fere de tal enfermidade se glorifica na pena, regozija-se na dor e descobre que o mal que lhe tortura é, na verdade, a novíssima glória de seus dias.

Parem de exaltar a dor do amor, de dizer que fere e que dói. E virem para o outro lado, para o lado da leveza, para o lado do sorriso que a gente esconde de banda porque toda a felicidade nos corre as veias impunemente.

No fim das contas, amar deve ser feliz só porque assim é e ponto final. Ou você vai dizer que trocaria os suspiros que tem dado pelos dias de tédio e assistir TV sem nem ter um perfil que fuxicar com frequência no FaceBook? Prefere toda a paz e segurança de antes a cada devaneio que alimentou de estar ao lado do objeto?

Sofrer de amor é vida. É sentir-se aqui e ter vontade de seguir adiante. Sentir e não só levantar zumbi de manhã e seguir maquinalmente em tarefa atrás de tarefa. É tarefa, suspiro, tarefa, sorriso, tarefa, novela, devaneio e mais um suspiro e mais outra tarefa. Ora, que amar é uma festa. Ainda que de desaniversário.

Então, é proibido sofrer de amor não correspondido!

Para que nunca mais mudemos de calçada quando uma flor aparecer. Para que ainda queiramos ser o pão e a comida. Para que ainda precisemos dizer que “te amo”, ganhar e perder, venha o que vier. Para que ainda sigamos livres em cuidar que se ganha em se perder.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Um duelo contentado de incontente


 Tornas-te um vencedor; o que requer um que sucumba a ti. Um que chorará a tua alegria. Que sirva de sombra à tua tranqüilidade. Tornas-te senhor deste outro que sorrirá à dor que a si mesmo castiga e inventará, tão somente para si, histórias onde tu hás de ser o herói mais bem portado com tua nova alma, aquela do retrato falado, como te pintou o pobre, o derrotado. Não haverá em ti falha alguma por que se vasculhe, tua voz será a mais suave, teu olhar o mais contemplativo. Porque haverá cativeiro e tu, é provável que sejas, o juiz cego.
Ainda que a despeito da tua sapiência, tornou-se-te o vencedor de um vencido tonto da novíssima alegria que foi de encher-lhe o peito. E por cuidar ser vencedor, uma vez derrotado, acha-se feliz de apresentar-se às pedras de uma revoltada multidão. Cativo e exultante de uma esperança que se lhe chega a cada dia. Alforriado e triste de perceber que de nada vale a sua esperança.
Podes tu ser o culpado? Há de a culpa se tornar teu carrasco, aquela que vem à tua alma e lha dá do pus? E o que tens tu com isto? Não. Tu foste o que nunca deixaste de ser. Pobre dos corações menos afortunados, pobres os espíritos que desconhecem a malícia. Ó, que calejados, tais espíritos não reincidam no vício de derrotarem-se a si mesmos. E queres o troféu? Uma vez vencedor, há o que seja teu e que deva ser levado para casa contigo. Talvez não te seja interessante. O que há de bom em receber um prêmio pelo qual não competiste?
E quando, quem sabe, faça-se a vez de ires reclamar o despojo da tua vitória, quero saber se ele ainda estará lá. Ou terá sido catado por um bêbado faminto que fuçou pelo teu lixo. Talvez tu nunca venhas a saber se ainda estará lá, e mais: pode ser que nunca tenhas sabido que esteve. E alguém dá crédito a um pule de bicho achado no chão? Pode bem haver uma fortuna perdida ali e em, algum lugar, um jogador bastante frustrado com sua tolice. Mas tu não jogaste e é bem provável que o tal talão tenha sido lançado fora ao acaso por um muito irritado viciado de mais uma vez ter jogado no coelho e mais uma vez ter dado cobra.
E o vencer que um dia o Camões te disse ecoando na boca da tua professora de Literatura? E da servidão de um vencido para com o seu vencedor? Não há de ser fácil, reconheço sem grande dificuldade, para um pugilista se portar com decência quando o juiz da partida segura duas mãos e levanta uma que não a sua, mas se serve ao que vence. E o vencido não sabe servir a si mesmo. E assume sua feição abatida e resigna e reconhece o mérito do outro quando das entrevistas todas no descer da arena. Mas para o pugilista, a não ser quando é peso pesado e almeja lutar como pena, não há vias de ganhar quando se perde.
Um duelo é um enquadre fechado de assumir só um vencedor e só um único derrotado. Contudo, sei de arena, onde vencedor e derrotado podem ambos ser derrotado e vencedor concomitantemente, assim ao mesmo tempo com toda essa redundância e desse jeito. Foi ainda o Caolho quem te disse isso antes mesmo que eu tivesse vida para dizer-te.
Num duelo suave onde pisar requer cuidado e o derrotado leva para casa o troféu de sua ruína que vai cheio da luz que sobreveio ao coração. E o vencedor renega a vitória desejando nunca tê-la tido, tamanha a repugnância que ela lhe inspira. Eu perco, tu vences, ele chora, celebramos. 


Obs.: Este texto é parte de um romance que vem sendo escrito desde 2008 e não sei por que não se termino.

O meu amigo de mim


O meu melhor amigo é o teclado. Não tem jeito de dizer que é outro. Que me desculpem os mais chegados, mas devo às teclas, essas pintadas de letras, os meus mais valiosos aprendizados. Nesse amigo, eu me descarrego. Me lavo. Lavo-me também. Busco a forma, mas a molho de lágrimas, até daquelas que nem chegam a molhar o rosto todo e ficam ali beirando as maçãs querendo descer e estampar a tristeza que inquieta o peito, mas que nem tem tanta força, quando há tristeza verdadeira ou quando invento dores que me alegrem. Porque também festejo dores quando são de mentirinha e me garantem construções linguísticas bonitas. Não há ombro que mais me console, nem diálogos que mais me aquietem. Por isso que eu digo: eu mato a minha angústia no teclado. Esse amigo que sempre se apresenta, quando eu acho um caminho de ir até ele. Escrevo porque se não eu morro, sou afastado de mim mesmo com um punhado de areia jogado para o vento, de grãos saindo em viagem, apartando-se uns dos outros, dizendo adeus e não mais torno a me achar.    

Tem sido doída essa brincadeira de existir. Acho-me sempre à beira, no limiar que não revela nenhum precipício e amargo o medo de amar o cume, armando ali a minha tenda, a minha perenidade. Quero me jogar de algum nono andar, não para morrer, não para me matar, mas para buscar quem sabe a lua, onde festejarei com Ismália, quem sabe a mim mesmo, onde me farei Narciso. Ora, é também no teclado que me jogo para a queda. Vezes, flutuo de um guarda-chuva encantado, vezes me caio e machuco todo, mas se salto de teclado, no fim das contas, sempre levanto pronto a voar de novo. O problema está quando eu me jogo na vida, daí, tenho sempre de correr para o teclado, este cruz vermelha de todas as guerras. Nele encontro morfina, nele há asilo, anistia e paz, de espírito, de ânimo, paz de mim. 
 
No teclado, as coisas tomam o rumo que eu gostaria que elas tivessem tomado; é que eu me escondo nas palavras, ora as emparelho lindas, de suaves trincheiras; ora digo que são elas as culpadas que nem sabem dar conta de mim e nem sempre me quero exposto em rimas, contido em períodos, engessado em parágrafos. Vezes, quero fluxos de uma consciência fugidia, maldita, que insiste em ser ferina, que insiste em esperanças. Mas quanto a tudo isso, é sempre no teclado que eu vou chorar minha pitangas...