Elis, você
pra mim nunca esteve, era sempre quadrada de relembrada. Não vivi os teus ares,
mas seu cheiro me chega ainda pelos ouvidos. Sua dor, a fingida e a doída não
encantaram meus olhos livres, mas me chegam pelos ossos quando vibra a tua voz
no meu estéreo. Minha garganta não pôde gritar teu nome, nem te gritar o diva
que lhe era, é, propício, mas ela pode cantar-te, repetir cada uma das suas
lágrimas, cada uma de suas ironias enquanto brincava, digo, cantava.
Você me
chega pelo boca a boca com pessoas de idade, e eis minha fonte favorita: a
idade dos que te viram; vem chegando, ora, pelo rádio do vizinho, ora, pelo
arquivo enquadrado revivido todo Janeiro – como que querendo lavar o novo ano,
nos preparar pra ele ou nos lembrar que é apenas mais um começo de ano,
aceitando o fardo e voltando pro jogo. Agora, você broadcast yourself direto pra mim na hora em que a gente se chama
no canto pra conversar baixinho, gritando, em lágrimas, em sorrisos e sorrisos
largos. Eu invadiria seu palco, te garanto. Ia querer te abraçar e reconhecer o
seu cheiro direto na fonte dos teus muitos cabelos.
Ai, Elis.
Elis Rainha você meche comigo até o pescoço; eu nem sou católico, mas me sinto
um romeiro quando andamos pela rua lado a lado; não sou esotérico, mas sei que
já está escrito, já está previsto; sou de quebrar o meu tamborim quando ninguém
se anima conosco. Elis, Elis, a flor cor de rosa no cabelo, o batom vermelho, o
falso brilhante. A sonhada goiabada cascão com seu muito queijo, o doce de
pimenta revirada no tapete atrás da porta. Depois das cascatas rubras, do pau
de arara e do rabo de foguete, dos homens com as ferramentas, retornarmos do
show de todo artista bêbados, desequilibrados, mas de chapéu coco. Aqui ainda é
pau, Elis, ainda é pedra. As águas dos marços até reabriram o verão, mas é
muita patrulha e bagunça, que os outros onze parecem fechá-lo.

Um comentário:
Incrível o relacionamento que temos com as palavras de quem nos toca, mesmo se elas não são ditas para nós.
Elis é imortal.
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