sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Há muito tempo nas águas da Guanabara...




            Elis, você pra mim nunca esteve, era sempre quadrada de relembrada. Não vivi os teus ares, mas seu cheiro me chega ainda pelos ouvidos. Sua dor, a fingida e a doída não encantaram meus olhos livres, mas me chegam pelos ossos quando vibra a tua voz no meu estéreo. Minha garganta não pôde gritar teu nome, nem te gritar o diva que lhe era, é, propício, mas ela pode cantar-te, repetir cada uma das suas lágrimas, cada uma de suas ironias enquanto brincava, digo, cantava.
            Você me chega pelo boca a boca com pessoas de idade, e eis minha fonte favorita: a idade dos que te viram; vem chegando, ora, pelo rádio do vizinho, ora, pelo arquivo enquadrado revivido todo Janeiro – como que querendo lavar o novo ano, nos preparar pra ele ou nos lembrar que é apenas mais um começo de ano, aceitando o fardo e voltando pro jogo. Agora, você broadcast yourself direto pra mim na hora em que a gente se chama no canto pra conversar baixinho, gritando, em lágrimas, em sorrisos e sorrisos largos. Eu invadiria seu palco, te garanto. Ia querer te abraçar e reconhecer o seu cheiro direto na fonte dos teus muitos cabelos.
            Ai, Elis. Elis Rainha você meche comigo até o pescoço; eu nem sou católico, mas me sinto um romeiro quando andamos pela rua lado a lado; não sou esotérico, mas sei que já está escrito, já está previsto; sou de quebrar o meu tamborim quando ninguém se anima conosco. Elis, Elis, a flor cor de rosa no cabelo, o batom vermelho, o falso brilhante. A sonhada goiabada cascão com seu muito queijo, o doce de pimenta revirada no tapete atrás da porta. Depois das cascatas rubras, do pau de arara e do rabo de foguete, dos homens com as ferramentas, retornarmos do show de todo artista bêbados, desequilibrados, mas de chapéu coco. Aqui ainda é pau, Elis, ainda é pedra. As águas dos marços até reabriram o verão, mas é muita patrulha e bagunça, que os outros onze parecem fechá-lo.        
            O fato é que o mar é uma gota, Elis, comparado ao que me molha quando ouço as tuas sensações, mas que malandro sou eu pra ficar dando trela pra quem já se foi? Aí, é que eu digo: em mim você não foi, não vi isso acontecer. Você talvez seja a outra Elis, talvez minha, talvez de todos os outros que te viram de olhos de vidro. E assim, você sempre será a que chega acenando pelo amar trazendo alegria as minhas regatas, anunciando que é com esse que vamos até cair no chão.

Um comentário:

Vicentini; Luiza. disse...

Incrível o relacionamento que temos com as palavras de quem nos toca, mesmo se elas não são ditas para nós.
Elis é imortal.