sábado, 10 de novembro de 2012

O pó é silêncio


O resto é silêncio. É também o noc-noc dos sapatos como que de passos jogados, arrastados a contra gosto; o snif-snif da coriza inevitável, ali e aqui; o surdo tapinha nas costas enquanto crispa os lábios em apoio. Mas o resto é silêncio. A passeata silenciosa que marcha de aperto no peito, marcha sem querer chegar. Acompanhando o último trajeto, assistindo o carrinho fazer suas curvas, a manobra, a última manobra. O coveiro dando instruções, dizendo a direção, frio, corriqueiro. A dor alheia é a varanda da sua casa. É onde frequenta, o que mais visita e desconhece. Empurra as flores, as amassa, despetala-as. Brutal e mesmo, rotina de seus dias, ficar lá para o adeus. Bem, sabemos não se abrir ali dentro os sorrisos que antes nos foram abertos, que os olhos, ali, fechados não têm mais o brilho da vida, mas ele podia ter um pouco mais de compaixão para com as flores que levamos, estas também ceifadas. Nós que marchamos passo após passo, de coração comprimido entre os nossos braços dados. Abobalhados diante da majestade, a vida. Espectadores de mais este espetáculo que nos assalta, impotentes, em silêncio. Mais essa volta completa. E só nos resta o respeito, os murmúrios, olhares; e olhares avermelhados. O coveiro joga o cimento, tampa para sempre, veda, cela o destino. O cimento trancando o que amamos. Como amamos se vamos embora deixando ali naquele lugar horroroso? Os coveiros cimentando, as vozes tornando-se estridentes, o desespero rasgando o dia, as pernas tremem, você perde o tino; é catarse. Silêncio e catarse. Morreu. Foi-se e agora há cimento trancando para sempre. Meu Deus, lá dentro, o resto é silêncio. E você chega a casa e tem sempre um a perguntar o número da sepultura a fim de cercá-lo pelos doze.

Nenhum comentário: