segunda-feira, 17 de março de 2008

Pedras e Bíblias


Polêmicas cenas, obscenas, e no mais genuíno sentido da palavra, invadem nossas casas; aliás, não invadem. São convidadas e devidamente autorizadas e sintonizadas digital ou, mais comumente, analogicamente. É uma caixa de surpresas, nossa amiga de horas a fio. Podemos ser mais rápidos que o Klink, ganhando “o mundo em um minuto”; podemos conhecer os lugares mais profundos da nossa pátria ou simplesmente estatelar à simples vinheta de um certo plantão; somos transportados pra distintos universos e realidades completamente novas e inimagináveis. A essa caixa, alguém resolveu dar o nome de televisão e é ela que tem sido fiel nos acompanhando em cada momento das nossas vidas. Da educação das nossas crianças à formação das nossas opiniões.
A arte não deve, simplesmente, imitar a vida. Platão teria náuseas. Cópia de cópia, não! A arte pega o que há e transforma, “repagina”, dá roupagem nova. É fato, que não há uma cristã que instiga uma multidão, com paus, pedras e ódio, a marchar contra uma família, por menos convencional que seja - de dois pais, ou de duas mães, ou trinta, enfim. Mais improvável, ainda, seria se houvesse uma mulher em avançado estado de gravidez envolvida entre “os filhos do capeta”. Sabemos que isso não é da índole angelical dos evangélicos. Não, não o fariam. Mas esses mesmos evangélicos angelicais, separados do mundo e pra Deus, são capazes de lançar olhares e palavras mais sagazes que as pedras agressoras de Maria ou os ossos da mãe comum impedidos por Cristo de tocarem Maria Madalena. Tudo o que foi feito, foi evidenciar um fato. Pôs-se pra observação no microscópio, algo que se vê a olho nu. Em menor ou maior grau, tudo aquilo que a televisão mostrou existe.
Acreditando serem libertos do mal, livres do pecado e seres que atingiram o nirvana da vida, os evangélicos vão vivendo como típicos cristãos, que dizem carregar em si, a verdade absoluta. Andam por aí, como peregrinos do único caminho a se seguir, e o que passar disso é de procedência maligna. A personagem da novela é só mais um estereótipo, exagera, mas mantém a essência. Existe. Que seres são esses? Incriticáveis? Acima do bem e do mal? Todos nós estamos a mercê das críticas e dos julgamentos de outrem. Porém ser criticado por um “pagão”, ou ímpio, é contra a estética protestante; nós não temos moral para pontuar erros dos ditos santos, pois eles têm a verdade, têm a salvação eterna, e nós, condenados estamos ao fogo eterno.
Edivânia, diferente de Lázaro, não enfrentou as autoridades por sua fé. Se ela realmente acreditasse que estava cumprindo a vontade de seu Deus, teria ido até o fim, principalmente quando Juvenal Antena apareceu. Ela não teria medo, continuaria cumprindo sua missão, tendo certeza de que seria recompensada, mesmo se morresse. Mas não, teve medo e ali, agiu feito Pedro, negando sua crença por medo, ou por que quer que seja. Há Edivânias espalhadas mundo afora, mais ortodoxas ou menos.
Tive o prazer de assistir a um espetáculo primoroso de música evangélica em julho passado na Praça da Apoteose, onde a voz da cantora líder soou, acompanhada de uma poderosa orquestra, clamando aos cristãos: “Quero ver o teu amor tão cantado, teu discurso encantador sendo encarnado...”. Eles, os cinqüenta componentes do grupo, pareciam pedir o fim da hipocrisia e um despertar cristãos. Pedido, ao que consta, ainda não concedido.
O que há de mais triste, nos cristãos, é algo que Cristo nunca ousou ter, a saber, o ar de superioridade. Sendo Deus, humilhou-se e se fez homem e toda a glória que recebia, repudiava-a, entregando-a ao Pai. Mas como natureza, uma fé arrogante produzirá seguidores arrogantes; pessoas que acreditam seguir o único e correto caminho tendem a achar que têm o “rei na barriga”, ou de maneira mais romântica, o Rei dos reis no coração. E assim segue a antiga e eterna máxima cristã do amor ao próximo, que não tem sido tão fiel quanto o pão nosso, mas tão faltoso quanto a paz nas ruas do Rio, que, a propósito, era o tema principal do citado espetáculo.

3 comentários:

Regis Rocha disse...

Já pedi ao senhor que parasse de jogar pedras em seu "eu de outrora". Amor ao próximo não é dádiva do cristão, apenas, mas sim de todo ser humano. No sentido geral, é o que faz falta, sinceramente, no mundo de hoje. E eu te amo, amigo! Só pra não ser chato aqui (também).

Guilherme de Oliveira César disse...

Complicado viu! Naum jogo pedras no meu "eu de outrora". Nem mesmo aquele tosco ser merece pedras, tadinho. Só gostaria que outros tivessem tanta sorte como ele e se tranformassem.
Também amo você.

Thiago Mello disse...

Bravo, bravo , bravíssimo !
Meu amigo agora tem um blog ,como faz alguns meses que não vejo a "caixa" , não posso fazer um comentário mais abalizado .
A algum tempo penso em fazer um blog , mas esbarro na minha falta de criatividade.

O seu ficou legal , vou ler sempre que postar .