quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A valsa dos lobos uivantes


E de dançar se vai a vida tão valsante. A grande valsa que é dos lobos mais uivantes. Que já dos gregos, dos romanos, ultrajantes. Que é do Àquiles tão bem como do seu Pátroclo. E cai a noite em seu luar mais desvairado, que invade tudo com seu dom tão prateado, e ninguém pode já dizer quem era antes, identidade se perdeu já não se sabe. Não tem olhar, não tem a voz, não tem mistério. Só tem o passo e não se pisar nos pés.

Escorre a valsa que dos lobos já uivantes, buscando o néctar que há por entre troncos. E se dançar que se dançando tão dançantes a não errar um só mandato da cartilha. Se vai pra lá, se vem pra cá e a noite rompe, não mais mistérios, não mais segredos que o dia esconde.

E de joelhos, ajoelhados, tão cristão, abrindo a boca pra pedir que, do céu, mande, o brando gozo que alegrará, uivantes, os lobos pobres tão polidos a dançar. A boca aberta esperando o deus que venha e lhe aprazer e lhe entregar a recompensa, o manar que vem do alto e que não falta, aquele mesmo que não se deve armazenar. E sorri, feliz que sorridente. Não mais espera, agora sim já pode ver. O deus que veio, que já não mais a vir, agora veio e se faz vez de engolir. O lobo uivante faz calar o seu uivado. Se põe sossego e não mais atormentado. E já não dança, antes vai-se bem do baile. Já valsou, o deus já veio e aleluia.

A valsa é boa, é gostosa e chama mais. Ela vicia e tão logo quer de novo. A sede aumenta e só sabe em demasia. Escraviza o lobo que não sabe dizer não. Ele não quer, mas uivar é natureza. E não se prende a natureza, não. Essa não nasceu pra se dobrar ao que, de dia, dizem, mas sim pra deixar que a noite mostre o que é seu. E tão sedentos, pois a sede não a acaba, os lobos voltam a uivar bem pela areia, o mar cantando e as estrelas segredantes, não contam ao sol o que, à noite, vem a ver.

Um comentário:

Tamara Andrade disse...

Poético. Melódico. O ritmo é muito envolvente.
Lindo! Adorei!