terça-feira, 7 de julho de 2009

A rosa-carne carnívora de egofagia


Tudo, no mundo todo, em todo mundo, parece ser só uma questão. Tudo parece se resolver justo ali na primeira atitude reconhecida de um ser humano: nascer. Pronto, não haveria mais necessidade de nenhuma palavra. Alguns transcendem. Só alguns. Não a maioria. Esta se espreme em continuar sendo quem era no momento em que foi dada à luz. È tão simples, ninguém pode escolher nascer. Tão injusto. Como se determinar onde nascer? Porque alguns vão nascer em maternidades muito luxuosas nas grandes cidadas do mundo, outros nascerão a alguns quarteirões na períferia das mesmas. Ainda se verá os que nascerão por aí, em cidades que a gente só ouve falar nos notíciarios em tempo de guerra, fome, seca, desgraça, desgraça, desgraça... Seria mister uma maior sagacidade das almas? Que elas fossem mais espertas em chegar primeiro?


Dizer que Deus é quem escolhe é simples demais e incomoda porque põe fim às indagações. Não quero isso. Quero mesmo é entender, e sei que não vou, que tal de fatalismo é este, que nos fez assim? Não há muitos dados levantados em minha pesquisa, tenho de assumir, mas reconheça que o campo sobre o qual me inclino não é lá algo assim de fácil acesso.


Será, então, que uma alma escolhe aonde vai vir a este mundo? Em quem. Em que circunstâncias. Como. Não há escolha. Despostimo. Ainda nos chamamos de ingratos quando reclamamos do Déspota. Ele nos dá o que comer e dá segurança ao nosso país, logo, um sentimento de divida para com o Carcereiro que nos dá jaula e joga alguma comida cresce bem dentro de nós. Não faz mais do que sua obrigação, uma vez que nunca completaremos a maior idade perante Ele.


Diante do tudo isso o que é imposto de alguma forma e força quando nós nascemos é necessário que enxerguemos um algo de bom que possa nos manter vivos e sorridentes por um período até a hora de morrer. Mas Paloma, deitada já naquela hora da noite, não tinha bons olhos. Seus olhos não eram bons para que pudessem olhar coisa alguma. Mas estavam abertos e vazios como tinham se habituado a estar. Dentre tantas e tantas e mais outro bucado de tantas e tantas mais, teve ela-justo-ela o desfortúnio. Não podia impedir a desafortunança quando ela decide chegar. Outra coisa para a qual não há solução. Chega e pronto. Desgraça! Mas se não fosse ela, outra teria nascido ali. Ah, se fosse sua alma um pouco mais esperta!, estaria em qualquer lugar que fosse onde fosse.


Contudo se ela não fosse, seria alguma outra. Seria sim. E porque seria? N’alguma coisa constava que alguém devia passar por aquilo? Constava quem deveria passar? E uma das outras tantas também se questionaria trancada no quarto como fazia Paloma. O nome seria o mesmo, o corpo também e a flor também seria a mesma. Egofágica. Paloma sentia, dentro de si que mesmo longe dali, distante o quanto fosse, sentiria o peso que era seu. Mesmo que outra das muitas tivesse de encarar o seu fardo, ele pareceria seu, pois tudo aquilo era muito ela pra que fosse outrem... Não havia saída outra senão as lágrimas. Era pra sempre. Irreversível. Doloroso. Cruel e genético. Que diacho de nascença desgraçada!


Uma sentença que se levantava e se proclamava e irrevogável. Sem chances. Nasceu e já é. Setenças de mortos de fome, de milionários, de subdesenvolvidos, de suburbanos, de negros, brancos e pardos. Sentenças que se recebe sem crime, sem erro. Mas castigo. Por que crime? Original? Por que, então, não se batiza bolsa escrotal de pai e ovário de mãe? Ninguém nasce pecador! Ninguém precisa de punição, nem de miséria, nem de doença que vem da mãe, que vai pra filha, que fica trancada, olhando fixo.


"Você não vai comer?" O primo de Paloma entrou no quarto. "Você não come há três dias."


"Não." Paloma olhou para ele e seus olhos assumiram um tom um tanto quanto sonhador. "Eu vou ficar aqui. Bem parada." E um sorriso ia se desenhando em seu rosto. "Se eu não me alimentar, minhas funções vitais vão, gradativamente, parar. E aí, eu morro." Os dentes dela estavam à mostra, sorrindo.


"Ué, por que não polpa tempo e se mata logo de vez?" Ele perguntou enquanto escolhia uma blusa no seu guarda-roupa.


"Original de mais!" Ela debochou. "Eu teria a mesma história da minha mãe. Só que sem marido e filha." Ela fez um muxoxo. "E além do mais eu não tenho coragem." Ela teve uma idéa. Brilhante. "Você faria isso por mim? Digo, tirar minha vida?" Ela realmente o olhou com alguma esperança.


"Não. Para a lei, a vida não é um bem que você pode dispôr. Eu seria preso."


"Mas pra você a cadeia seria boa, não?" Ela imaginava as coisas que podiam acontecer na cadeia com seu primo, e foi como se jogassem gelo antártico no seu coração, ela não podia...


"Por quê?" Ele arregalou os olhos.


"Ah, você sabe o que eles fazem uns com os outros na cadeia... E além de tudo, você pode fingir que tentou me estuprar e eu reagi e daí você me matou: eles costumam ser bem legais com estupradores. Bom, se o estuprador for como você, talvez se sinta bastante feliz nesse contexto."


"Garota, o que esse médico te disse, hein?" O primo franzia as sobrancelhas. "Parece que você deu uma passada no inferno e voltou pra atormentar os outros?"


"Eu fui sim, mas não voltei. Continuo num inferno."


"Você vai morrer?"


"E você não sabe que tudo o que eu quero é morrer?"


"Já disse a você, se mata e pronto. Prometo que encomendo uma coroa bonita!" Ele saiu do quarto. Mas enfiou a cabeço pelo aro da porta: "Caso não queira se suicidar de fome, o jantar ta na mesa."



Paloma trancou a porta. Correu até o espelho levantou a saia e viu o que lhe afligia. Se não é mãe, é mulher. Se não é esposa, é mulher. O que define? O que dá a alguém o direito de assim ser chamado? Mulher. O que é necessário ter? Mesmo as que não tem filhos, as que não tem marido, continuam sendo chamadas de mulher. Mas Paloma se perguntava se também podia ser chamada mulher. O que defendia o sexo feminino, o que fazia o médico gritar "Mulher", ela tinha de maneira mui comprometida e parecia querer negar a sua condição de ser o que era, mutilava-se em penitência, auto-flagelo. O que faz a uma mulher ser mulher. O que faz não fazia mais. Era o quê, depois de tal falimento? Quem lhe escolheu para tal provação? Ah, se pegar pudesse o desgraçado. Ele chegou antes, muito antes.


Ecatologia!, a mãe terra se destruíndo. A fonte de origem humana, onde a vida é gerada se auto destruíndo. Como se Géia iniciasse um processo de auto mutilação. A natura pondo fim à sua capacidade, seu dom, de gerar. Refastelando-se num banquete de egofagia, a rosa de carne carnívora. L. E.. Google it!

Imagem: Senhoras de Avignon de Pablo Picasso

2 comentários:

Vicentini; Luiza. disse...

só ouve falar nos notíciarios em tempo de guerra, fome, seca, desgraça, desgraça, desgraça...
tão sonoro... amei!!!

Ninguém precisa de punição, nem de miséria, nem de doença que vem da mãe, que vai pra filha, que fica trancada, olhando fixo.
muito bom

"Se eu não me alimentar, minhas funções vitais vão, gradativamente, parar. E aí, eu morro." Os dentes dela estavam à mostra, sorrindo. (Muito fodaaaaaaaaaa)

"Ué, por que não polpa tempo e se mata logo de vez?" Ele perguntou enquanto escolhia uma blusa no seu guarda-roupa. (poupa com u)

"Original de mais!" Ela debochou. (demais)

"Você faria isso por mim? Digo, tirar minha vida?" Ela realmente o olhou com alguma esperança.
(adorei adorei adorei essa parteeee, mas eu tiraria o "realmente")

Mas Paloma se perguntava se também podia ser chamada mulher. O que defendia o sexo feminino, o que fazia o médico gritar "Mulher", ela tinha de maneira mui comprometida e parecia querer negar a sua condição de ser o que era, mutilava-se em penitência, auto-flagelo.
(fodaaaaaaa)

Gui, tava com saudade dos seus escritoos!!
Beijooo

a_rosa disse...

uiii me dá arrepios!!!
Fiquei desesperada no telefone quando você me contou sobre a existência dessa doença!

Me compadeci e ao mesmo tempo senti uma repugnância pela personagem! =/

Mas o que aconteceu com o final da história?! acabou do nada mesmo! Desenvolve isso ai!

E dps eu tenho que fazer um comentário sobre o primo da Paloma, ME LEMBRA! iauaouoauaiao



você é perfeito !